sexta-feira, 13 de agosto de 1982

The Penguin Book of Political Comics

Steef Davidson
Penguin, 1982

Não foi a BD que me levou a este livro mas antes um livro sobre "música" / "contra-cultura" escrito por Marcus Greil. É curioso que embora a origem da BD moderna, a que conhecemos por causa do suporte de impressão, começou precisamente como uma forma artística de crítica social e política. No virar do século XX perdeu essa importância para o mercado do entertenimento para "todo o público", o que significou, na realidade, na sua infantilização para só voltar a ser interessante nos anos 60 com o movimento "underground". Mais curioso ainda é que é muito raro encontrar uma "História da BD para adultos" - e adultos não significa as fodinhas do Manara e afins. Adulto no sentido em que as obras sirvam para reflectir e discutir, que tenham um conteúdo artístico e político como tinham as de Raphael Bordallo Pinheiro, por exemplo.

Descobrir um livro destes é mesmo um achado porque revela uma história anónima focada justamente nas questões de lutas políticas e sociais - e reacionárias e de propaganda - em toda a parte do planeta: Angola, China, EUA, Portugal, Espanha, Inglaterra, França, Itália, Suécia, Bélgica, Holanda,...

Graças a esta edição podemos ver várias situações interessantes, três em especial: a recolha de material inédito histórico internacional e português e o tipo de trabalho especifico que é a "BD política".


um cartoon e uma BD de Vicente Barão publicados no livro
Começo pelo meio, porque é aí que está a virtude e porque não conhecia a série de BD Os Bonecos de Vicente Barão, publicada no Comércio do Funchal, um jornal "do contra" que segundo Davidson, depois do 25 de Abril transformou-se num periódico ainda "mais do contra", tão radical ao ponto de ser banido pelo MFA - o jornal existiu entre 1934 e 1976. A julgar pela amostra no livro (imagem) percebe-se que estamos a um nível de um humor pesado à Hara-Kiri... Entretanto só  descobri uma referência ao autor no catálogo Uma Revolução Desenhada : O 25 de Abril e a BD (Afrontamento + Bedeteca de Lisboa + Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra; 1999) de J.M. Lameiras, J.P.P. Boléo e J.R. Santos mas mais nada... Nem no Dicionário dos Autores de Banda Desenhada e Cartoon em Portugal  (Época de Ouro; 1999) de António Dias de Deus e Leonardo de Sá nem numa divertida conversa com o Geraldes Lino, o nosso "cromo da BD" favorito. Ainda referente a Portugal há algumas BDs sobre propaganda clandestina de partidos comunistas, e de Angola, sobre a guerra colonial e o apelo à guerrilha no mato, por um lado com panfletos a favor (pela MPLA) e por outro contra, pelas Forças Armadas Portuguesas.

A recolha de Davidson é fabulosa: de panfletos do Partido Nazi Americano ao seu contrário (panfletos alemães de esquerda contra os Nacional-Socialistas nos anos 30), panfletos de sindicatos, de movimentos a favor da ocupações, comix underground norte-americanos (a capa não engana: Gilbert Shelton), várias BDs "detournement" da Internacional Situacionista - incluindo a BD "O regresso da coluna Durutti" que precipitou os acontecimentos de Maio de 68! -, dos Provo (movimento holandês que o autor fez parte mas onde também vamos encontrar o Willem), dos Motherfuckers, dos Panteras Negras, material de anti-comunistas, anti-corporativistas, movimentos ecológicos, e ainda BD's de sabotagem distribuídos no exército norte-americano, em bases no Vietnam e na Alemanha. Ou seja, um misto de material que tanto apareceu de forma oficial como revistas alternativas da Suécia (Almbladet e Pus), de forma efémera (panfletos, autocolantes), de díficil acesso como fanzines ou clandestino! Esta exemplar recolha vai até 1976, data da edição original holandesa.

Por fim, sobre os trabalhos propriamente ditos, será mais ou menos previsível que a qualidade dos trabalhos e dos artistas tenham diferenças monstruosas. Como vimos tanto podemos encontrar autores profissionais, militantes ou não de causas específicas, como um camarada lá no partido que costuma fazer umas bonecadas e que tem jeitinho pró desenho. Vamos encontrar um Robert Crumb apanhado pelos sinais dos tempos, um Spain que acredita nas Panteras Negras; alguns fizeram BDs de forma oficial como Joost Swarte que desenha um panfleto, em 1973, contra o consumo de marcas com café angolano como forma de oposição à guerra colonial do governo português; outros são "ripados" como uma colagem que usa um desenho de Crumb para uma mensagem Situacionista - na referência aparece "Portugal, 1971; cartaz distribuído em universidades",  curiosamente... E é sobretudo nesta área que vamos encontrar muitas BDs, especialmente Situacionista, aplicando o "desvio" ou o "detournement" -, ou seja, o uso de material visual alheio para aplicar outros textos e subvertendo a mensagem original. Eis um exemplo que apanhei recentemente de uma figura portuguesa insuspeita! Esta prática aparece por todo lado muitas vezes usando BDs comerciais bastante conhecidas (Super-Homem, Fantasma, personagens da Marvel e Disney) outras menos. Algumas usam um misto de desenho e fotografia, outras exclusivamente fotografias ou até fotonovelas - conhecidas erroneamente nos países anglos-saxónicos como "fumettis".

Como é óbvio não é a qualidade artística que interessa aqui mas sim a forma como a mensagem política é aplicada e divulgada. Nesse aspecto a maior parte dela é óbvia e directa, e curiosamente, aquela que é mais sofisticada a nível de texto é a propaganda fascista, não que o seu índice de intelectualidade seja elevado mas sobretudo porque fazem "piscar de olhos" aos burguesitos que devem pensar que são muito inteligentes... Aliás esse sempre foi o modo de operar da Direita, o de enganar o cérebro vaidoso da civilização, o da procurar mostrar ao público o quanto é superior. Dizia Morris, criador do Lucky Luke, a propósito do cão Rantanplan ou do irmão tótó dos Dalton para explicar o sucesso destas personagens: "o público gosta sempre de uma personagem estúpida". Talvez isso explique porque nas Democracias actuais tivemos ou temos gente burra e fascista como o Bush Jr. ou o Cavaco...

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